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Discursos/Pronunciamentos


Discurso pronunciado por José Mendonça, na cerimônia de encerramento da "Semana da Criança", realizada na Sociedade de Cultura Física, em Uberaba (MG), em 30 de julho de 1936.

"CASA DA CRIANÇA

Minhas Senhoras
Meus Senhores
A CRIANÇA

A criança é o mais belo poema da criação.
Aurora de novos tempos, de uma nova humanidade, de novas civilizações, enche o universo todo de uma claridade de pureza celestial.
Nessa madrugada, tudo é alegria, esperança, felicidade, toda a vida é uma estrofe de amor; tudo é canção que docemente se eleva e se transforma em prece; e o próprio céu, à luz dessa alvorada, acha que a terra é linda!
É o raio de sol que ilumina as nossas horas trevosas.
É o perfume que inebria a nossa existência.
É o pássaro buliçoso, canoro, a encher de alegres rumores a floresta enredada e torturada das nossas preocupações.
É a flor de perene beleza a fazer com que em nosso espírito e em nosso coração haja perene primavera.
É a força que nos impele e nos conduz, irreprimível, quando precisamos vencer rudes obstáculos e dominar dificuldades hostis nas horas tempestuosas das arremetidas e nas horas angustiosas das resistências; e, ao mesmo tempo, o bálsamo carinhoso que nos suaviza as dores, que nos cicatriza os golpes, que nos faz sorrir e sonhar.
É assim, como o oceano e o vento: - energia indomável, capaz de nos mover aos mais árduos empreendimentos aos sacrifícios e aos heroísmos; e, doçura maravilhosa do consolo e do conforto, que por si mesma se transforma em Lira a nos encantar, a nos acalentar. É o sorriso de divino amor, e o olhar de afeto e de ternura que a vida tem para o homem, o duro lutador.
É o anjo do Senhor, posto ao nosso lado, para chamar a nossa atenção, a todo instante, sobre as diretrizes superiores que devemos dar aos nossos atos, aos nossos sentimentos, salvando-nos, muitas vezes, do transvio e da perdição.
É a criança na imortalidade, porque não há quem, tendo nos braços uma criança, não sinta que ali está um puríssimo espírito, não sinta que a chama de vida que a anima veio de Deus e que há de brilhar, radiosa, eternamente.
É o nosso céu todo verde, a envolver o mundo da nossa existência, porque é a nossa esperança.
É a glória suprema do homem, no dizer de Vitor Hugo, que desejou ser, apenas 'um homem que passa, levando uma criança pela mão'.
'Eu amo as crianças, cantou uma ilustre poetisa brasileira, porque elas são toda a humanidade que ressurge para as mesmas incertas caminhadas'.
Sim, pois se as crianças são, como nos versos de Augusto dos Anjos, a nossa continuidade emocional, no tempo e no espaço, somos nós mesmos que nelas ressurgimos, somos nós próprios que voltamos para as mesmas dores, para as mesmas lutas, para os mesmos sonhos.
E nós, assim considerando, ficamos querendo ainda mais às crianças, porque elas levam pelo mundo em fora e pelas áreas adiante a nossa orquestração interior, todas as grandezas e todas as misérias do nosso próprio 'Eu'.
Eurípedes, muito antes do cristianismo, já exclamava: 'Sublime é a luz do sol; sublime é o espetáculo do mar indomável; sublime é a terra que floresce na primavera. Não é, porém, tudo isso mais sublime, mais encantador que, depois das tristezas de uma vida solitária, vermos florescer o nosso lar de belas criancinhas'.
O velho Hugo cantava: 'Crianças, sois a alva e a minha alma é a planície que das mais doces flores embalsama o ar, quando o respirais; minha alma é a floresta, cujas arvores sombrias e ramosas se enchem, só por vós, de suaves murmúrios e de raios dourados! Senhor, preservai-me aos que amo, irmãos, parentes, amigos, e meus próprios inimigos do grande mal de jamais ver uma primavera sem flores, um ninho sem passarinhos, uma colmeia sem abelhas e uma casa sem crianças!'
E o nosso Bastos Tigres, aproveitando o tema hugoano:
'Senhor! que jamais vejamos,
Nós e os que nos querem bem,
Aqueles que mais amamos
E aqueles que ódio nos têm,
Jamais vejamos o ninho
Entre a folhagem dos ramos,
Sem a asa de um passarinho!

Jamais vejamos - quem dera!
A colmeia despovoada, nem sombra de abelha a voar ...
Sem flores a primavera,
Nem uma rosa encarnada
Para pôr em vosso altar!

Choça ou palácio que seja,
Senhor, que jamais se veja
De crianças vazio - o lar!'

E o próprio Jesus, quando os apóstolos pretendiam afastar dele as crianças curiosas que se aproximavam, ordenou que deixassem que fossem a ele os pequeninos.
Por que? Porque as crianças são Anjos, são de Deus.
E (ai de nós), quando a velhice vem, quando curvamos a fronte ao peso dos anos trabalhosos, é ainda na recordação da infância que vamos encontrar um pouco de consolo e de alegria:
'Os sonhos e as esperanças
São áureos colibris das regiões da alvorada
Que buscam para ninho os peitos das crianças.
Por isso, quando o sol da vida já declina,
Mostrando-nos ao longe as sombras do poente,
É-nos doce parar na encosta da colina
E volver para traz o nosso olhar plangente,
Para traz, para traz, para os tempos remotos,
Tão cheios de canções, tão cheios de embriaguez!"
(Junqueiro, "A Musa em Férias").
"Minha velha ama, sou um pobrezinho...
canta-me cantigas de fazer chorar!
Como antigamente, no regaço amado (venho morto, morto! ... deixa-me deitar
Ai, o teu menino como está mudado)
Canta-me cantigas de dormir, sonhar!'
(Junqueiro, 'Os Simples').

A CRIANÇA, A PÁTRIA E A HUMANIDADE

Se a criança é assim, tudo para o homem individualmente considerado, o que é para a Pátria e para a Humanidade?
Permiti, Senhoras e Senhores, que eu aqui repita a velha frase feita, o sovado chavão que exprime uma das verdades mais profundas e mais irretorquíveis: — a criança é a Pátria de amanhã, é a Humanidade do futuro!
'Gravai na vossa lembrança
e meditai com horror,
que o homem sai da criança
como o fruto sai da flor!
Da pequenina semente,
Que a escola rega ou destrói,
Pode fazer-se igualmente
Ou o assassino ou o herói'.
(Junqueiro - 'A Musa em Férias').
Dessa forma, o culto da criança, a defesa da criança, a educação da criança, assumem, nos países civilizados, as magnas proporções de um apostolado cívico e humano e se apresentam como a mais nobre, a mais elevada, a mais santa missão do homem e da sociedade!
Defender a criança é defender a própria raça, é defender todas as construções boas realizadas pelos antepassados, é defender as organizações presentes do nosso esforço, é preparar para os nossos filhos um ambiente mais feliz, uma vida mais fácil e mais cheia de alegrias.
Não se trata, apenas, de um ato de bondade, determinado pelo coração, em face da penúria e do sofrimento de tantas criancinhas desvalidas, sem roupa, sem alimentação apropriada, sem assistência médica.
Trata-se, principalmente, de uma obra de patriotismo e de civilização.
Luiz Silveira, no seu livro 'A Educação Familiar', escreveu:
'Quando se trata das plantas, o jardineiro começa por aprender o seu ofício e os cuidados que deve ter com as hastes tenras e flexíveis.
Se estas não foram levantadas a tempo, mais tarde, mesmo a custo de grandes esforços, não poderão ser reparadas as negligências iniciais.
No que respeita aos defeitos e misérias sociais, por que procurar remediá-los tardiamente, quando, no começo, um menor esforço produziria resultados mais fecundos?
Prevenir é melhor que curar, afirma a sabedoria humana.
Cumpre, portanto, cuidar da criança com solícitos carinhos.
Quantos sindicatos, uniões e escolas profissionais existem atualmente e por toda a parte, cujo fim é obter melhor resultado no exercício de um ofício ou de uma arte qualquer?
Não é evidente que assim deve ser igualmente quanto à preparação para o exercício da mais importante das artes, qual a de formar as gerações futuras?
Há centenas de agremiações para aperfeiçoarem a cultura das plantas e para melhorarem a criação de animais.
Há milhares de sociedades recreativas, milhares de sociedades com fins econômicos, sociais ou religiosos.
Mas, quantas associações, defendendo e amparando a criança?
São angariadas somas fabulosas para preparativos bélicos.
Porque não empregar o que se gasta com armamentos, apenas em dez minutos, com a organização de institutos destinados a socorrer a infância, a salvar a humanidade do porvir?
Tempo e dinheiro não faltam para os prazeres e para mil outras coisas secundárias e acessórias: são somente escassos para as coisas fundamentais da vida'.
Minhas Senhoras e meus Senhores, repitamos, aqui, as palavras magníficas de Monsenhor Spalging: — 'Se os nossos pensamentos mais elevados e os nossos mais esclarecidos trabalhos se dedicassem ao progresso da humanidade, teríamos, em breve, um Universo Novo!'

A 'CASA DA CRIANÇA'

Uberaba, graças a Deus, com a instalação da 'Casa da Criança', esse milagre do idealismo e da bondade, colocou-se à frente na 'liderança' dos povos do Brasil Central, em matéria de proteção à infância.
A 'Casa da Criança' é hoje um dos nossos mais lídimos brasões de civilização e de cultura.
É um templo: — Templo da Religião da Criança, do Culto da Criança, Templo onde também Deus reside, como nas Catedrais ou nas Capelas, porque o Senhor está onde estão as criancinhas. Tenda de puríssimo patriotismo. Forja onde se tempera a raça do futuro, eleva-se, muito alto, nesta amplidão do Brasil Central, rutilante, à semelhança do Sinal Cristão que se mostrou a Constantino, dizendo e proclamando:
'Por esta forma, assim trabalhando, ó Pátria, vencerás e os teus dias futuros serão mais belos e mais prósperos!'
Dando assistência médica, dieta alimentar, distribuindo roupas e leite puro, acompanhando o desenvolvimento dos pequeninos, combatendo os estados mórbidos, instruindo os pais e as mães sobre o modo de criar e educar os seus filhos, arrebatando das garras da morte e da degradação física dezenas e dezenas de infantes, a 'Casa da Criança' realiza, em Uberaba, uma das mais lindas e uma das mais completas obras de assistência social.
Benditos, portanto, os seus fundadores e os que a mantêm, os médicos que ali trabalham, como os doutores Paulo Rosa, Silvio Bernardes, Antonio Sabino, Álvaro Guarita, Juares de Souza Lima, Heli de Souza Andrade e tantos outros, e as excelentíssimas senhoras que a dirigem, com desvelo e com dedicação inigualáveis, como a Exma. sra D. Dulce Pinheiro Rato.
Benditos todos eles pelo seu idealismo, pela sua crença, pela sua bondade, pelos serviços que prestam.

DR. PAULO ROSA

E permiti, Senhoras e Senhores, que falando da assistência à infância em Uberaba, nestes dias, destaque eu, aqui, a figura tão querida e tão admirada por todos nós, do dr. Paulo Rosa.
Grande filho de Uberaba, grande pelo talento, pela cultura, pelo caráter e pela magnitude dos seus sentimentos, ele vai, dia a dia, realizando os mais tocantes milagres da inteligência e do coração, transformando-se em um verdadeiro apóstolo do Culto à Criança.
É de ver-se a sua dedicação insuperável, o seu zelo, o seu carinho, a sua ternura, por tudo o que se refere à criança.
Quer assistindo com uma solicitude de encantar e com todos os recursos de seu imenso saber, os doentinhos que o procuram, quer promovendo fundações e solenidades de amparo, de educação e de devoção à criança; quer na imprensa, escrevendo sempre; quer predicando, na tribuna, ele está sempre no seu posto de honra, a lutar na defesa dos infantes de Uberaba, na defesa da raça, da defesa da pátria.
Deus consente, às vezes, que surja, no seio de uma sociedade, um espírito como o dr.
Paulo Rosa, capaz de reunir, de consubstanciar todos os sentimentos superiores e nobres que podem existir na alma humana.
A ele, neste instante, quando o Culto da Criança, entre nós, já empolga todos os espíritos e já se torna oficial, apresento as mais vivas expressões do reconhecimento, da amizade e da admiração do povo de Uberaba.

A SEMANA DA CRIANÇA

Foi essa mesma piedade de idealistas e de patriotas, fundadora da 'Casa da Criança', que teve a bendita iniciativa de instituir, em nossa terra, a 'Semana da Criança'.
Solícito, veio ao encontro de seu desejo o Exmo. Sr. Dr. Paulo de Andrade Costa, digno e ilustre prefeito de Uberaba, que, amparando o empreendimento e o tornando oficial, pelo decreto nº 702, de 30 de julho de 1936, considerou feriado municipal o dia 30 de julho, que será denominado o 'Dia da Criança'.
Por esse ato de patriotismo e de civilização, Uberaba rende ao sr. dr. Paulo de Andrade Costa o preito agradecido de seus aplausos.
Que é a 'Semana da Criança'?
É a escolhida para a realização de conferências públicas, de preleções médicas, ensinando-se o adulto, principalmente as mães, os pais e os professores a defender a criança, a criar e a educar a criança.
Como já disse o dr. Paulo Rosa, só se defende a criança, educando-se o adulto.
Se a criança, por si mesma, não se defende, dependendo da assistência dos adultos que são por ela responsáveis, segue-se que o adulto deve estar aparelhado dos conhecimentos necessários para o desempenho de sua sagrada missão.
Essa, portanto, é a finalidade primordial da 'Semana da Criança': — ensinar o adulto a amparar o infante.
E isso se fez, brilhantemente, magnificamente, nesta primeira 'Semana da Criança' que se verifica em Uberaba, por meio das popularíssimas e sábias lições que, diariamente foram realizadas pelos nossos médicos.
O ilustre sr. Dr. Didimo Napoleão, numa dessas admiráveis preleções, difundida pela nossa P.R.E.5, disse que de um milhão de crianças que nascem, anualmente, no Brasil, 500.000 são levadas pela morte.
Meio milhão de habitantes, portanto, perde a pátria, todos os anos, no quadro da mortalidade infantil.
A 'Semana da Criança' visa, justamente, diminuir esse índice terrível de mortalidade, divulgando os meios de defender e, portanto, de salvar a criança.
Se uma árvore boa há de dar bons frutos, segundo o ensinamento dos evangelhos, magníficos serão os resultados dessa admirável 'Semana'.
Muitas e muitas criancinhas vingarão e crescerão mais robustas, porque seus pais aproveitaram as lições que receberam, no decorrer desses sete dias.
Que o céu abençoe os promotores de tão esplêndida realização.
Fez-se, também, um interessantíssimo concurso de robustez infantil e estamos aqui para a entrega dos prêmios às crianças vencedoras. As mais sadias da nossa terra.
Eu as felicito cordialmente e aos seus dignos pais, pois é a criança robusta de hoje que há de fazer a grande pátria do futuro.

UMA NOVA 'TOCHA OLÍMPICA'

Minhas senhoras e meus senhores.
Toda a humanidade, nestes dias, tem os olhos voltados para a Europa, onde se registra uma cerimônia emocionante: -a condução pelos atletas do mundo inteiro, da "Tocha Olímpica", a chama simbólica da saúde, da alegria, da lealdade e da fraternidade, do altar de Júpiter, em Olímpia, para Berlim, através das inúmeras e penosas dificuldades do caminho que serpenteia entre montanhas e se desdobra à beira de abismos.
Ao chegar a 'Tocha' ao Parthenon, o atleta exclamou:
'Sou portador da chama eterna da sagrada Grécia.
Anunciai à humanidade que o Espírito Olímpico não está morto.
A chama Olímpica, inextinguível, continuará iluminando os povos que se apresentem nas lutas pacíficas.'
Senhoras e senhores.
Ascende, hoje, em Uberaba, neste 'Dia da Criança', uma 'Tocha' muito mais radiosa, muito mais brilhante, muito mais pura do que aquela: ascende-se a chama da imaculada, de celestial fulgor, do Culto à Criança.
Anunciemos, também, ao Brasil inteiro que ela está acesa e que será eterna.
Geração do meu tempo! A 'Tocha Sagrada' está em nossas mãos.
Vamos conduzi-la célere, pelo tempo em fora, mantendo-a sempre viva e sempre alta, sejam quais forem as dificuldades e os obstáculos que se antepuserem a nossa caminhada.
E, quando, um dia, já nos sentimos fatigados, havemos de entregá-la a uma geração mais moça para que ela também a conduza para diante e, por sua vez, a entregue a outra geração, e, assim, sucessivamente, pelos séculos em fora de forma que a chama do Culto à Criança, que, hoje, aqui se acende, seja inextinguível, inapagável, sempre levada para frente e sempre na altura, iluminando, perpetuamente, com o seu clarão maravilhoso, todas as almas em toda a imensidade da terra brasileira."

Publicado no jornal "Lavoura e Comércio" de Uberaba (MG), em 01 de agosto de 1936.


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