Home > A Obra > Discursos/Pronunciamentos

Discursos/Pronunciamentos


Discurso de Paraninfo da Turma dos Licenciados no Ginásio do Colégio Diocesano de Uberaba, em 1949.

PALAVRA AOS MOÇOS

A FINALIDADE DA INSTRUÇÃO E DA EDUCAÇÃO

"A instrução e a educação têm uma única finalidade: — formar homens.
E o homem, no trabalho de sua formação, deve ser considerado em si mesmo, como personalidade, como indivíduo; deve ser conduzido para a plena realização do seu sentido social; e, como criatura de Deus, que tem um nobre destino que o Senhor lhe reservou, deve preparar-se para o Céu, 'o fim último de todas as ciências e de todos os atos humanos'.
São esses os tríplices aspectos da obra educacional.
Se qualquer deles for sacrificado, o conjunto ficará irremediavelmente comprometido, e o homem não receberá a sua formação integral.
Considerando-se o homem como individuo, é necessário que se aprimorem as suas faculdades espirituais, intelectuais, morais e físicas, de modo que ele adquira uma personalidade, um caráter, seja senhor de si mesmo.
— O homem, disse Ramalho Ortigão, está rodeado de mil influências que o violentam; o mundo inteiro pesa sobre ele: mas, nenhuma força é igual à do caráter.
O homem é tanto mais homem quanto maior é a energia, com que ele se manifesta. Não basta ter um ideal. É preciso por, a seu serviço, o entusiasmo, a firmeza, a energia, todas as forças morais.
No cumprimento retilíneo do dever, principalmente nesta época, quando a maioria quer mais direitos do que obrigações; na coragem de viver, enfrentando e dominando todos os obstáculos, todas as dificuldades, todos os sacrifícios e todos os sofrimentos, na dedicação à Verdade, ao Direito e à Justiça; no entusiasmo pelas causas justas e pelos nobres ideais; no horror à inércia e à covardia; na ação em que se prova a vontade; no trabalho que redime e coopera, com o Senhor, na obra da criação; no esforço renovador; na rebeldia contra o crime e contra o erro; nos sentimentos de solidariedade humana, de bondade e de ternura; no exercício honesto da profissão; na correção da vida pública e particular; no desejo de servir; ao amor à família, à pátria e à humanidade; na adoração a Deus e nas expressões de sinceridade religiosa, - reflete-se, nitidamente a personalidade do indivíduo. A formação dessa personalidade integral, dessa personalidade consciente, é uma das mais dedicadas tarefas do educador.
Vós, meus caros paraninfados, a recebestes carinhosa, solicita, completa, dos nossos caros Mestres, os Revmos. Irmãos Maristas, neste querido Colégio Diocesano de Uberaba.
Guardai-a e preservai-a, que é o vosso mais fecundo e opulento tesouro. Afirmai-a, com desassombro e intrepidez, em todos vossos pensamentos, em todas vossas ações, em todos os momentos de vossa vida.
Sereis homens, senhores de vós mesmos, capazes de renovar o mundo.

Mas, o homem tem um sentido social.
O próprio amigo da solidão não é um solitário.
Porque a sua alma e a sua inteligência vibram em harmonia com a vida, com as aspirações com as inquietudes, com o espírito dos seus semelhantes e de sua época.
Robinson Crusoé está fora da humanidade.
D. Quixote, com sua loucura e seus sonhos, é a figura que nos seduz e empolga, pela sua profunda riqueza humana.
Preparando o homem para viver em sociedade, a educação deve despertar-lhe a consciência coletiva e o amor à coisa pública.
Deve formar-lhe uma mentalidade de fraternidade e de cooperação, de compreensão e de tolerância, ao influxo generoso do amor ao próximo, à família, à pátria e à humanidade.
— 'Tudo serve, cantou Gabriela Mistral: - servem as águas, servem as flores, serve Deus.
Como seria triste e desolado este mundo, se tudo já estivesse feito, se não fosse mais preciso prestar um serviço, plantar uma árvore! Toda a natureza serve!'
O egoísta é execrado e abominável, porque é imortal.
Gosta mais de sua fazenda do que de Deus e dos homens.
Guarda o dinheiro no cofre e deixa a criança pobre morrer de fome.
O próprio trabalho deve ser sempre realizado, com alegria, porque não é apenas o ganha pão de cada dia; é também uma prestação de serviço e tem a mais ampla e profunda significação social.
'— A Oração, escreveu Rui Barbosa, é o intimo sublimar-se da alma pelo contato com Deus. O trabalho é inteirar, o desenvolver, o apurar das energias do corpo e do espírito, mediante a ação contínua sobre si mesmos e sobre o mundo, onde labutamos.
O indivíduo que trabalha acerca-se, continuamente, do Autor de todas as coisas, tomando na sua obra uma parte de que depende também a dele. O Criador começa e a criatura acaba a criação de si própria.
Quem quer, pois, que trabalhe, está em oração ao senhor'.
'Tudo quanto constitui orgulho da humanidade, disse Ingenieros, é fruto do trabalho. O bem-estar e a beleza, o que intensifica e expande a vida, a dignidade do homem, o decoro dos lares e a glória dos povos, a espiga, o canto, o poema. Tudo surgiu das mãos hábeis e da mente criadora. O trabalho dá vigor aos músculos, ritmo ao pensamento, firmeza aos pulsos e graça às ideias, calor ao coração, tempero ao caráter.
O trabalho contém forças morais que emancipam a personalidade e dignificam a humanidade'.
Uma das maiores necessidades do Brasil é, sem dúvida, esta: — ensinar a trabalhar'.
É preciso que a nossa mocidade se eduque para o trabalho.
João Pinheiro, o grande estadista mineiro, confessou:
' — Francamente, as amarguras do presente, a pobreza geral, a situação precária de várias classes, não tem outra explicação mais nítida do que o ensino, socialmente errado, que nos tem sido fornecido.
Há mister reorganizá-lo, de modo a ensinar aos homens a contar consigo mesmo, com a vitória das suas energias, na luta da vida, tal como ela é, visando o seu bem-estar individual e o serviço da pátria e da família. A instrução não deve segregar o jovem do mundo, estimulando-lhe as iniciativas na decoração melancólica de livros.
Deve, sim, aproximá-lo da vida; armá-lo todos os dias para a luta impiedosa; despertar na consciência juvenil o valor da sua individualidade; fornecer-lhe, em cada aula, uma noção real que ele, ao sair dela, poderá experimentar, reconhecendo a sua superioridade, em relação aos que ignoram.
O êxito das raças fortes, notadamente a norte-americana, resulta, essencialmente, da feição positiva, profundamente real com que, desde a escola primária, até a aprendizagem superior se conduz a inteligência, o caráter, o coração da mocidade, guiada para triunfar na vida.
A Ciência foi feita para ensinar a trabalhar e não para ser uma regra abstrata, objeto de pura memória, dando presunção inútil aos que a possuem com a incapacidade de fazê-la frutificar para si ou para outrem'.
Não queremos a nossa pátria transformada em terra de parasitas e inúteis.
— Há assim, meus caros paraninfados, uma consciência social da educação. E vós possuis, bem viva, por que se definiu, aos ensinamentos dos Revmos. Irmãos Maristas no Colégio Diocesano de Uberaba que está presente em todo o Brasil central, no esforço quotidiano de todos os seus antigos alunos pela prosperidade do Brasil, pela formação da riqueza coletiva, pela nossa redenção econômica, espiritual e moral, pela construção de um mundo melhor.
Vivereis, portanto, menos para vós mesmos do que para a família, para a pátria e para a humanidade.
Sereis servidores.
E, finalmente, vós sabeis que o homem, com sua alma imortal, tem um destino que Deus lhe reservou, com a própria obra da criação: - o da perene felicidade, na vida futura, pela presença, o conhecimento é o amor de Deus.
A vida, na terra, é apenas a preparação para a plenitude da vida eterna. — 'A imortalidade da alma, disse Pascal, é coisa tão importante e que nos interessa tão profundamente, que ficar na indiferença, a tal respeito, seria o mesmo que ter perdido todo sentimento'.
— 'Senhor, exclamou Santo Agostinho, criaste-nos para Ti: e o nosso coração não terá repouso, enquanto não descansar em Ti'.
Ah! A transitoriedade das coisas terrenas!
Como tudo passa, como o voo célere de um pássaro ...
Mocidade, beleza, fortuna, saúde, posições sociais, glórias do mundo, já lá vão, já lá vão, uma a uma, como folhas secas que o vento leva. Dizem os franceses que quinze dias fazem de uma morte recente uma velha notícia.
E acrescentam: - a erva cresce mais depressa sobre os corações do que sobre o túmulo ... É o esquecimento ... é o olvido ...
Será essa a verdadeira felicidade?
Sabeis que não, meus caros paraninfados.
'Não há mal que sempre dure e nem bem que não se acabe'.
Mas, há uma felicidade eterna: - é o bem infinito: Deus.
Praticai, meus amigos, com sinceridade, a vossa religião. Defendei-a. Honrai-a. A vossa educação tornou-se integral no Colégio Diocesano de Uberaba, porque vos ensinou a viver com Deus e para Deus.
Estais preparados para as jornadas da terra e preparados para o Céu.
E preparados para o Céu vós vos conservareis.
E ao penetrardes na vida, pela porta da morte, podereis exclamar, fiéis a Cristo, aos ensinamentos que recebestes nesta casa:
'A mim o Céu' O Céu azul sem mancha
todo harmonia e luz! Sempre a florir!
Onde jamais nenhuma dor desmancha o meu sorrir!
A mim as rosas de que o Céu se junca,
E são do amor o imortal troféu!
A mim a vida que não passa nunca!
A mim o Céu'.
(D. Aquino Corrêa)

A PAIXÃO DA VERDADE

Meus caros paraninfados.
Uma das grandes lições que devemos tirar, para o nosso tempo, da vida de Rui Barbosa, cujo centenário de nascimento comemoramos este ano, é a paixão da verdade, a coragem, a bravura, a intrepidez de dizer a verdade. Muitos precisamos, nesta época, dessa paixão e dessa coragem, que são as mais nobres afirmações de liberdade e de decência moral.
As teorias do erro, do materialismo ateu, erigido em sistema político, rondam o mundo, sinistramente.
Este é um tempo de definições firmes enérgicas, decididas.
Os jovens são os senhores da vida.
E a paixão da verdade deve ser seu apanágio, o seu instrumento para a redenção da humanidade.
Escreveu Ingenieros: — 'No coração dos jovens, a verdade é geradora, como calor do sol que, nos jardins, converte-se em flores. Amar a verdade é contribuir para a elevação do mundo moral.
O covarde morre cem vezes moralmente; é vil quem nega suas crenças, na hora de perigo.
E a maior de todas as covardias é calar a verdade, para recolher as vantagens que oferece a cumplicidade com a mentira.
As verdades podem ser perigosas para quem as espalha.
Mas, aquele que as ama, longe de fugir ao perigo, deve provocá-lo, ensinando-as aos que ainda podem aprendê-las.
A verdade á a mais temida das forças revolucionárias. Os pequenos motins forjam-se com armas de soldados, as grandes revoluções se fazem com doutrinas de pensadores.
Todos os que pretendem prolongar indefinidamente uma injustiça, em qualquer tempo e lugar, temeram menos os conspiradores políticos do que os arautos da verdade, porque esta, pensada, falada, escrita, contagiada produz nos povos mudanças mais profundas do que a violência'.
— 'Mas, exclamou Rui, o que ela contém e a impele e a revolta não é a cólera, não é a destruição, não é a maldade: - é o poder do pensamento, a vibração da fé, a energia motriz das almas, esse fluido impalpável que se transporta nas ondas indivisíveis do ambiente e vai, por outras regiões, arder nos espíritos, fulgurar nas trevas humanas, abalar vontades, agitar indivíduos e povos, reanimados ao seu contato, como os mais maravilhosos instrumentos da indústria, os teares, as forjas, os estaleiros, acordam ao influxo dessa eletricidade silenciosamente bebida léguas e léguas daí, por um fio de cobre aéreo, nas quedas sonoras do rio!'
— A dignidade e a sobrevivência da nossa civilização de vós exigem a paixão da verdade e a coragem do dizer a verdade.
Porque
O MUNDO NUNCA ESTEVE TÃO DIVIDIDO, COMO HOJE:
Estamos numa fase culminante e decisiva da história da humanidade.
Os homens já não lutam pela posse de um pedaço de terra, nem pelo prestígio de uma dinastia, nem por interesses econômicos.
A terrível peleia desenvolve-se, dura e inclemente, em todos os continentes e entre todos os povos.
Embate estarrecedor de princípios e ideologias entre a civilização cristã e o comunismo, pelo domínio do mundo.
'Mas o comunismo, exclamou Rui, não é a fraternidade: - é a invasão do ódio entre as classes.
Não é a reconciliação dos homens: — é a sua exterminação mútua.
Não arvora a bandeira do Evangelho - bane Deus das almas e das reivindicações populares. Não dá tréguas à ordem. Não conhece a liberdade cristã. Dissolveria a sociedade. Extinguiria a religião. Desumanaria a humanidade. Perverteria, subverteria a obra do Criador'.
É a lei da força, a lei da insidia, a lei do assalto, a lei da pilhagem, a lei da bestialidade, a lei que nega a noção de todas as leis, lei da inconsciência, que autoriza a perfídia, consagra a brutalidade, eterniza o ódio.
Combatereis, meus caros paraninfados, com energia, firmeza e entusiasmo, pelo bem, pela liberdade, pela justiça, pela causa de Cristo.
O Brasil e a humanidade depositam suas esperanças nas novas gerações. Vós não desonrareis a mocidade.
Não renunciareis à qualidade de homens livres.
Não traireis o cristianismo.
Não podeis fugir à luta.
Existe, meus caros paraninfados,
O CRIME DOS BONS:
É o crime da indiferença ante a luta do bem e do mal.
É o crime do cepticismo, nas horas ásperas da defesa do Direito, da dignidade humana, da honra e da verdade.
É o crime dos que cruzam os braços, no momento do perigo.
É o crime da apatia, da insensibilidade, nas horas trágicas para os destinos dos novos e da civilização.
É o crime dos que não se revelam, intrépidos e corajosos, contra o crime, contra a maldade, contra a falsidade, contra a aleivosia, contra a injustiça, contra o despotismo.
É o crime da renúncia.
E quando os bons renunciam à luta, os maus triunfam e dominam. A renúncia dos bons é a vitória dos maus.
Lutareis, meus amigos, porque não podeis permitir que o mal se avantaje e sobrepuje a pátria e a humanidade.
Permiti que, mais uma vez, eu evoque a palavra apostola de Rui Barbosa:
— 'Nem toda ira é maldade. Quando verbera o escândalo, a brutalidade ou o orgulho, não é agrestia rude, mas exaltação virtuosa; não é soberba que explode, mas indignação que ilumina, não é raiva desaçaimada, mas, correção fraterna.
Então não somente não peca o que se irar, mas pecará não se irando. Cólera será; mas cólera de mansuetude, cólera da justiça, cólera que reflete a de Deus, face também celeste do amor, da misericórdia e da santidade.
Eis aí a cólera santa! Eis aí a cólera divina!
Quem, senão ela, há de expulsar do templo o renegado, o blasfemo, o profanador? Quem, senão ela, há de exterminar da ciência o apedeuta, o plagiário, o charlatão? Quem, senão ela, há de banir da sociedade o imoral, o corruptor, o libertino? Quem, senão ela, há de varrer dos serviços do Estado o prevaricador, o concussionário e o ladrão público? Quem, senão ela, há de precipitar do governo o negocismo, a prostituição pública ou a tirania? Quem, senão ela, há de arrancar a defesa da pátria à cobardia, à inconfidência ou à traição? Quem, senão ela, a cólera do celeste inimigo dos vendilhões e dos hipócritas? A cólera do justo, crucificado entre os ladrões? A cólera do verbo da verdade, negado pelo poder da mentira?'
Vós, meus caros paraninfados, jamais sereis cúmplices do mal, por falta de atitude, pela conformidade dos covardes, pela complacência dos incapazes de um esforço regenerador, por desinteresse pela coisa pública. Nesta expressão 'a coisa pública' cabem quase todos os nossos deveres para com a pátria e a sociedade.
Ter consciência de 'coisa pública', isto é, do patrimônio comum do povo, preservá-la, com zelo e dedicação, defendê-la dos desonestos e dos ambiciosos, é uma das mais belas afirmações da luta pelo Direito. E a luta pelo Direito é um dos mais nobres apanágios do homem. — 'Aquele que anda de rastos, como um verme, disse Kant, nunca deverá queixar-se de que foi calcado aos pés'.
— 'Àquele que não sente, escreveu Vom Ibering, quando o seu direito é insolentemente desprezado e calcado aos pés, que não se trata simplesmente de objeto desse direito, mas de sua própria pessoa; àquele que não experimenta a irresistível necessidade de defender a sua pessoa e o seu justo direito, não temos de prestar auxílio e nenhum interesse tenho em convertê-lo'.
Vós não tolerareis o crime, a perfídia, a maldade, o ódio e a infâmia. Vos não permitireis que o Brasil tombe sob o guante dos maus, dos ímprobos, dos sem-Deus, dos modernos escravocratas.
Sereis os rebeldes de Cristo, os rebeldes do Brasil, os rebeldes do amor, os rebeldes da bondade.

A BONDADE

A bondade é um dos característicos do homem forte.
Este ergue se contra o erro, contra o vício e contra o crime, com altivez e vigor, mas não se esquece de que seus semelhantes são, também, homens profundamente humanos e, como todos os homens, com suas virtudes e seus defeitos.
E deixa que a bondade, a divina bondade, porque reflexo da caridade cristã, encha o seu coração.
Não conhecemos o super-homem, o que está fora da humanidade.
Conhecemos, apenas, o homem.
São Francisco de Sales, que lutou com coragem de leão em defesa do direito, da verdade e da religião, exclamava:
— 'Prefiro dar contas a Deus de excessiva brandura do que de nímia severidade'.
— 'Quem ama o rigor, que se afaste de mim!'
— 'Tudo pela bondade, nada pela força!'
— 'É preciso ter compaixão dos homens e nunca paixão contra eles'. A alguém que o perseguia, piedosamente, respondeu:
— 'Embora me arrancásseis um dos olhos, o outro vos olharia ainda com o mesmo afeto'.
— 'Assim, disse D. Aquino Corrêa, conquistava a todos. Assim, converteu mais de setenta mil hereges. Assim atraía a seus pés a multidão dos pecadores'.
Os homens excessivamente severos podem ser respeitados, podem ser temidos, mas nunca serão amados. Padre Soeiro, na 'Ilustre Casa dos Remires', considerava, docemente:
— 'A bondade também salva. Olhe, às vezes, há um homem muito sério, muito puro, muito austero, um Catão que nunca cumpriu senão o dever e a lei ... E, todavia, ninguém gosta dele, nem o procura. Por que? Porque nunca deu, nunca perdoou, nunca acarinhou, nunca serviu.
E, ao lado, outro leviano, descuidado, que tem defeitos, que tem culpas, que esqueceu mesmo o dever, que ofendeu mesmo a lei ...
Mas que? É amorável, generoso, delicado, serviçal, sempre com uma palavra doce, sempre com um rasgo carinhoso... e por isso todos amam e não sei mesmo. Deus me perdoe, se Deus também o não prefere...'
Jesus, na parábola do Bom Samaritano, nos ensinou quem é o nosso próximo e como devemos proceder para com o nosso próximo.
Jesus nos mostrou o caminho, a verdade e a vida.
Sejamos bons, para que, nas nossas faltas, também sejamos julgados com bondade.
Sereis profissionais, meus caros paraninfados, e lutareis pela vida. Mas, é necessário que não sejais, apenas, profissionais.
Um grande ideal humano há de conduzir e iluminar todas as vossas atividades.
Rodó, em Ariel, já ensinava:
— 'Antes da responsabilidade de profissões e de cultura, está o cumprimento do destino comum dos seres racionais.
Há uma profissão universal, que é a do homem, disse, admiravelmente para o fim utilitário.
Longe de vós esse destino dos espíritos estreitos, incapazes de ver nas ideias e na existência mais do que o conceito do utilitarismo.
Quem não acalenta, no íntimo d'alma um profundo sentimento de amor e de beleza, de estética e de harmonia, - não é digno da vida.
Deus nos livre de fazermos da mocidade brasileira um aglomerado de espíritos vulgares, que só se sentem bem na mediocridade, desprezadores da cultura e insensíveis às manifestações da arte e das abstrações científicas.
— Na ausência da barbaria irruptora que arremessa suas hordas sobre os pontos luminosos da civilização, disse Rodó, a alta cultura das sociedades modernas deve precaver-se contra a obra insensível, sutil e dissolvente dessas outras hordas, acaso pacíficas, mas, terríveis, as inevitáveis hordas da vulgaridade...
Grande civilização, grande povo, na acepção que têm estes termos para a história é aquele que, ao desaparecer materialmente no tempo, deixa, vibrante, para sempre, a melodia sonora do seu espírito, fazendo-a persistir na posteridade, como seu imperecedouro legado.
Das pedras que compuseram Cartago não ficou uma partícula transfigurada em espírito ou em luz; a imensidade da Babilônia ou de Ninive não representa mais, na memória dos homens, do que o esforço que vai da Acrópole ao Pireo...
Há uma perspectiva ideal em que a cidade não apareça grande somente porque prometa ocupar a imensa área que edificara em torno da torre de Nemrod; nem apareça forte somente porque seja capaz de levantar de novo, ante si, os babilônicos muros sobre os quais passeiam seus carros de gente; nem apareça formosa somente porque, como babilônia, tenha a luzir nos paramentos dos seus palácios lousas de alabastro, e a engrinaldá-la os jardins de Semiramis...
Grande será nessa perspectiva. A cidade cujos arrabaldes de espírito se estendam para além dos cumes, e cujo nome, ao pronunciar-se apenas, ilumine para a posteridade toda uma jornada da história humana, todo um horizonte do tempo'.
— Tende fé em vós mesmo, moços de minha terra!
Vós sois a Luz e a Energia, a Exaltação e a Beleza, o Amor e a Justiça! Que vossos corações sejam, sempre Templos vivos de Deus, Tabernáculos puríssimos, dignos da presença perene do Pai!
Porque, sem Deus, não é possível a formação da moral, não é possível o enobrecimento, não é possível a dignificação do homem.
E tende, sempre, meus amigos, a vida interior, essa vida íntima, incorruptível, que é a contemplação do ideal, a ressonância de todas as harmonias universais. Ouçamos, ainda, Rodó, em 'Ariel':
— 'A humanidade, renovando de geração em geração, sua ativa esperança e sua ansiosa fé num ideal através da dura experiência dos séculos, fazia Guyau pensar na obsessão daquela pobre alienada, cuja estranha e comovente loucura consistia em crer chegado, constantemente, o dia de suas bodas.
Joguete do seu sonho, ela cingia, cada manhã, a fronte pálida com a coroa de desposada, deixando cair da cabeça o véu nupcial. Com um doce sorriso, dispunha-se a receber o noivo ilusório, até que as sombras da tarde, depois de tanto esperar, traziam a decepção para a sua alma. Tornava-se, então, melancólica a sua loucura; mas, sua ingênua confiança renascia coma aurora seguinte e já sem se recordar mais do desengano passado, murmurando 'é hoje que ele virá', voltava a cingir a coroa e o véu e a sorrir na esperança do prometido.
Assim há de ser com a humanidade: - ainda bem a eficácia de um ideal não morreu, veste ela, outra vez, suas galas nupciais para esperar a realidade do ideal sonhado, com uma nova fé, com tenaz e comovedora loucura. Provocar essa renovação, inalterável como um ritmo da natureza, é, em todos os tempos, a função e a obra primordial da juventude. Das almas de cada primavera humana está tecido aquele toucado de noivo'. Pela mocidade, por meio de jovens como vós, meus amigos, hoje ou amanhã virão a redenção e a felicidade de nossa pátria e do gênero humano sobre a terra.

A MOCIDADE

A mocidade á a maior riqueza.
Todo o ouro, todas as pedras preciosas, todas as posições sociais e todas as glórias do mundo não valem a juventude.
Só a mocidade é boa e generosa, capaz de sadios entusiasmos, de desprendimentos, de lutas pelo bem, pela justiça e pela verdade. A mocidade, como uma fada, transforma em encanto e beleza as coisas e os aspectos mais ásperos e mais sombrios.
Muitos velhos dizem, erradamente: - 'se eu pudesse ser moço, novamente, com a experiência que tenho!...'
E os franceses exclamam: — 'Se a mocidade soubesse, se a velhice pudesse!...'
Meus amigos, mocidade cheia de experiências não é mocidade, mas, velhice precoce, tolhida, miserável, desprezível.
Nada mais detestável do que um moço velho, enfezado, pequenino, mesquinho, egoísta. Não permiti, meus amigos, que a vossa juventude seja apoucada, obscurecida, amesquinhada por aqueles que vos quiserem transformar em velhos, pelos que acham que a mocidade é pecado.
Mas, conservai a pureza dos vossos corações, do vosso espírito, dos vossos ideais, da vossa vida.
Fugi das degradações físicas e morais, do egoísmo sórdido, do materialismo grosseiro. A vossa pureza há de aclarar os vossos ideais e os vossos trabalhos.
'O MUNDO TORNA-SE MELHOR, PORQUE EXISTO.'
E venho propor-vos um tema, não para os vossos quadros, mas, para a vossa própria vida: - 'O MUNDO TORNA-SE MELHOR, PORQUE EXISTO'.
Palavras generosas, encorajadoras, cheias de inconfundível beleza, do ilustre dominicano Revmo. Frei Demarais, em suas magistrais conferências sobre psicologia experimental.
Essa divisa encerra o verdadeiro conceito da vida.
Dá aos moços uma nova, segura e luminosa compreensão do valor da existência.
Existir, para tornar o mundo melhor!
Nada mais belo!
Viver, assim, é viver para Deus, para o Supremo Amor.
O vosso ideal e a vossa vida iluminarão o mundo e o tornarão melhor.
Crede em vós, meus jovens amigos.
Creio na vossa mocidade.
E que cada um de vós viva para que o mundo se torne melhor!"

Discurso publicado no jornal "Lavoura e Comércio". Uberaba (MG), 13 de dezembro de 1949.

Voltar


© Copyright 2004/2022 - José Mendonça. Todos os direitos reservados.