Discurso pronunciado por José Mendonça, em 07 de setembro de 1937, por ocasião das comemorações do dia da Pátria, na Praça Rui Barbosa, em Uberaba.
"Soldados da minha terra!
Moços do Brasil!
Na milagrosa exaltação das solenidades cívicas, reúnem-se, fundem-se em um só coração e em um só espírito, os espíritos e os corações de todos os presentes, para o culto de um grande vulto, para a glorificação de uma efeméride, para uma solene afirmação de patriotismo e de fé.
Toda cerimônia cívica, por realizar-se no altar da Pátria, é um ato de religiosidade e de crença.
E esta que aqui nos congrega é de todas a mais alta, a mais grandiosa, a mais sagrada, a que mais emociona as nossas almas, porque é a do 'Dia da Pátria', é a do 'Dia do Brasil'.
E o Brasil, para nós, é a cristalização maravilhosa de todos os esforços dos nossos antepassados; é o Santuário de Amor e de Honra que legaremos aos nossos filhos; é a finalidade verdadeira de todos os trabalhos e de todos os sacrifícios da nossa vida; é o nosso consolo e a nossa alegria; é todo o grande sonho do nosso futuro é a síntese suprema de todos os nossos ideais.
— 'A Pátria, disse Rui Barbosa, não é ninguém: - são todos. A Pátria não é um sistema, nem uma seita, nem um monopólio, nem uma forma de governo: é o céu, o solo, a tradição, a consciência, o lar, o berço dos filhos e o túmulo dos antepassados, a comunhão da lei, da língua, da liberdade'.
Quisera, nesta hora, ser um poeta, para cantar a minha terra, como o lírico incomparável das 'Primaveras':
'Todos cantam sua terra,
também vou cantar a minha,
nas débeis cordas da lira
hei de fazê-la rainha.
Hei de dar-lhe a realeza
Nesse trono de beleza
Em que a mão da natureza
Esmerou-se em quanto tinha!
É uma terra de amores,
Alcatifada de flores,
Onde a brisa fala amores,
Nas belas tardes de abril.
Tem tantas belezas, tantas,
A minha terra natal,
Que nem as sonha um poeta
E nem as canta um mortal!
É uma terra encantada,
Mimoso jardim de fada!
Do mundo todo invejada,
Que o mundo não tem igual!
Não, não tem, que Deus fadou-a
Dentre todas: a primeira!
Foi ali, foi no Ipiranga,
Que com toda a majestade,
Rompeu de lábios augustos
O brado da liberdade!
Aquela voz soberana,
Voou na plaga indiana
Desde o palácio à choupana,
Desde a floresta à cidade!
Tem tantas belezas, tantas,
A minha terra natal,
Que nem as sonha um poeta
E nem as canta um mortal!
É uma terra de amores,
Alcatifada de flores,
Onde a brisa em seus rumores,
Murmura: não tem rival!'
Pátria! És o meu Templo, és a minha Religião, és o meu passado, és o meu presente, és o meu porvir!
És a fé cristã, és a força, és a alegria, és a bondade.
Mas, neste momento, em face das duras realidades que o mundo nos apresenta, falando a valorosos militares, falando a moços que vestem a farda gloriosíssima do exército brasileiro, foge-me a fantasia de poeta e tenho de empregar a rude linguagem dos que se empenham em decisivos combates de salvação.
Em 7 de setembro de 1822, realizávamos a nossa autonomia política.
E hoje, mais de um século decorrido, é preciso, mais do que nunca, que nos preparemos, que nos aparelhemos para a conservação dessa independência, para a manutenção da nossa soberania, da nossa integridade.
E é preciso, mais do que nunca, que saibamos fazer também a nossa emancipação espiritual e econômica.
Pensam, atualmente, os povos imperialistas que os países mais fortes, ditos mais civilizados, superpovoados, não tendo mais onde colocar, satisfatoriamente, os seus filhos, podem tomar pela força os imensos territórios inaproveitados, pertencentes aos povos fracos, em proveito da civilização de todo o gênero humano.
Temos (ai de nós!) exemplos concretos da prática desse princípio.
O Japão conquistando grande parte da China.
A Itália dominando a Abissínia.
Indisfarçáveis referências de estadistas e publicistas europeus às nossas despovoadas e riquíssimas extensões territoriais. E nós, para a nossa defesa, para repelirmos as tentativas dos conquistadores, estamos quase desarmados.
Nem, ao menos, possuímos os navios necessários ao simples policiamento do nosso litoral!
E chegamos ao cúmulo de acertar o arrendamento de velhos vasos de guerra para a instrução dos nossos marujos!
Assim, para a salvaguarda, para a perpetuação da nossa independência, precisamos de espírito militar, de educação militar e cívica, de aparelhamento bélico.
Muita gente há de estranhar, ouvindo dos meus lábios essas palavras, pois sou o maior pacifista que há no mundo.
Mas, acima de tudo está o interesse da pátria.
Infelizmente, os homens de hoje, em vez de banirem, de afastarem o fantasma da guerra da face da terra, vão ao extremo de praticar as guerras de conquista e de praticar a chamada 'guerra total', isto é, a guerra de extermínio, de aniquilamento, de destruição.
Nenhum povo ama a paz e a concórdia tanto como o brasileiro.
Mas, por fidelidade ao pacifismo, não podemos, ante a brutal realidade contemporânea, continuar desaparelhados para a defesa da nossa soberania, do nosso patrimônio material, da nossa honra.
O Brasil não quer desaparecer.
Quer viver altivo, digno, uno, intangível, eternamente, para a própria felicidade do gênero humano.
Para isso, cultuemos as virtudes militares, fazendo de cada cidadão um soldado capaz de todas as resistências, de todas as bravuras, de todos os heroísmos, de todos os sacrifícios, na hora em que perigar a independência da pátria, na hora em que se ameaçar a integridade do país, na hora em que se atentar contra a honra do Brasil.
Prestigiemos, moral e materialmente o glorioso exército nacional, a nossa valorosa Marinha de Guerra, as Intrépidas e briosas Forças Públicas dos Estados, as Escolas de Instrução Militar.
Cerquemos todas essas instituições, que se destinam à defesa do Brasil, de todo o nosso carinho e esforcemo-nos, até com sacrifícios, para que sejam devidamente aparelhadas, para que não lhes faltem meios de ação nos momentos de luta.
De outro lado, ampliemos, difundamos a educação cívica. Façamos o Brasil conhecido pelos brasileiros; cultuemos os nossos grandes homens; festejemos as nossas datas históricas; saibamos amar o passado; revigoremos as austeras virtudes que nos herdaram os nossos ancestrais; exaltemos sempre a nossa pátria, a nossa história, os nossos heróis, a nossa vida.
Para a independência espiritual, precisamos de instrução. Um país, como o nosso, que conta com cerca de 75% de analfabetos, entre os seus habitantes, não pode colocar-se entre os vanguardeiros da civilização humana.
A campanha contra o analfabetismo, como disse Carneiro Leão, é mais sagrada do que a luta pela abolição, que se realizou no século passado.
Porque, naquela época, tratava-se de emancipar cinco milhões de cativos do domínio dos seus senhores e, agora, precisamos libertar mais de vinte milhões de brasileiros da escravidão da ignorância e do obscurantismo.
Como disse Miguel Couto, à semelhança dos padre Trapistas que, a todo instante, se lembram da ..orte, nós, a toda hora devemos pensar na instrução dos brasileiros.
Combate ao analfabetismo, facilidades econômicas para o curso secundário, aperfeiçoamento das universidades.
Assimilando, como fizeram os japoneses, toda a cultura científica, e as normas universais do trabalho construtor, de energia, de resistência, seremos capazes de todos os empreendimentos e surgiremos, aos olhos do mundo, como uma das maiores potências de todos os tempos.
E temos de fazer, também a nossa independência econômica.
Não podemos continuar na dependência dos banqueiros internacionais.
Possuindo as maiores reservas de riquezas naturais que há na terra, não podemos ser, perpetuamente, tributários, vassalos das atividades produtoras de outros povos.
Pratiquemos o ensino técnico, profissional, que ensina o homem a trabalhar; esforcemo-nos para que do nosso subsolo jorre o petróleo; demos preferência aos produtos brasileiros; saibamos aproveitar as nossas matérias primas e não permitamos que o estrangeiro, como até hoje faz, compre os nossos materiais 'in natura', para, depois, no-los vender manufaturados.
É necessário, primeiro, que o Brasil baste a si mesmo, a si mesmo se supra, para depois, erigir-se em celeiro do mundo, em fornecedor de todos os outros povos.
Não nos limitemos, como até agora, em cantar o nosso céu, as nossas florestas, os nossos rios, as nossas montanhas, as nossas campinas, as nossas quedas d'água, as nossas praias.
Não podemos ser pobres em meio da riqueza, escravos do trabalho e do dinheiro alheio na terra mais fértil e dadivosa que há no mundo.
Precisamos agir.
Precisamos de ação brasileira, de ação nacional.
7 de setembro!
O 'Dia da Pátria'.
Que luz maravilhosa a que nos envolve!
Jure, cada um, neste dia, ser um respeitador da ordem e da disciplina, um cumpridor das leis, capaz de todos os trabalhos, de todas as renúncias, de todas as dedicações, um brasileiro digno do Brasil, 'imitando, na grandeza, a terra em que nasceu'.
Oh! Repitamos, comovidamente, como uma doce canção a nos acalentar a alma, esses versos de doçura infinita, que aprendemos a murmurar na escola, nos carinhosos tempos da infância, rejuvenescendo, hoje, o nosso espírito para o amor do Brasil:
'Ama com fé e orgulho a terra em que nasceste!
Criança! Não verás nenhum país como este!
Olha que céu! Olha que mar! Que rios! Que floresta!
A natureza, aqui, perpetuamente em festa,
É um seio de mãe a transbordar carinhos.
Vê que vida há no chão! Vê que vida há nos ninhos.
Vê que luz, que calor, que multidão de insetos!
Vê que grande extensão de matas, onde impera,
Fecunda e luminosa, a eterna primavera!
Boa terra! Jamais negou a quem trabalha
O pão que mata a fome, o teto que agasalha!
Quem com o seu suor a fecunda e umedece
Vê pago o seu esforço e é feliz, e enriquece!
Criança! Não verás nenhum país como este!
Imita, na grandeza, a terra em que nasceste!'"
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