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Discursos/Pronunciamentos


Discurso pronunciado por José Mendonça em 03 de agosto de 1941, por ocasião da inauguração do novo estúdio da P.R.E.5 (Rádio Sociedade Triângulo Mineiro).

"Bertrand Russel, em recente e interessantíssimo trabalho, disse que, graças ao progresso das ciências e ao desenvolvimento dos meios de comunicações, os países se vão transformando, sob o ponto de vista sociológico, em verdadeiras cidades.
Surge, realmente, em nossos dias, a figura do 'Estado-Cidade'.
Antigamente, mesmo há cinquenta anos passados, os habitantes de um país, ainda que de pequena extensão territorial, não podiam acompanhar a marcha integral dos acontecimentos sociais, pouco se estendiam e viviam quase impossibilitados de uma ação conjunta.
A separá-los, mais do que o espaço, mais do que a distância, estava o tempo. Um fato que se verificasse, no Rio de Janeiro, por exemplo, só era conhecido muitos dias depois pelos habitantes dos núcleos mais afastados do território.
Muitas vezes, era um acontecimento de grande importância política ou econômica, que vinha surpreender os cidadãos residentes no interior, transformando-lhes as organizações, pondo-os repentinamente, em desassossego e confusão.
Quando chegavam notícias, eram sempre 'velhas novidades' desconcertantes. Os governos não estavam sob a pressão permanente da crítica nacional e o povo não podia acompanhar, de perto, a atividade dos seus dirigentes ou governantes.
Mas, pouco a pouco, o tempo como fator de separação e de isolamento, foi sendo suprimido. Veio a estrada de ferro, transportando com rapidez, os jornais, as correspondências particulares, as mercadorias; surgiu o telégrafo, informando o país do que se passava nos diferentes pontos do seu território e em todo o mundo; a imprensa teve um desenvolvimento magnífico; os automóveis ainda mais aproximaram e entrelaçaram os homens; o aeroplano apareceu nos ares, mais rápido do que os mensageiros dos antigos deuses; e, finalmente, o rádio, numa fração de segundo, põe em contato milhões de espíritos de todos os recantos da nação e da terra.
No mesmo dia ou no mesmo instante (como se dá com as cerimônias diretamente irradiadas) temos conhecimento de tudo o que acontece, mesmo de fatos sem importância ou de simples episódios de rua.
Todos os atos dos governos são conhecidos, diariamente, por toda a população.
Acompanhamos, quotidianamente, os acontecimentos políticos, sociais e econômicos, tudo o que pode influir no andamento dos negócios públicos ou particulares.
Somos informados, com presteza, de tudo o que se passa em outros centros: doenças, falecimentos, batizados, aniversários, núpcias.
Estreita-se, assim, a comunhão de ideais e de interesses.
Espalhados por todos os pontos do território imenso, vivemos tão unidos, como se estivéssemos na mesma cidade.
É o 'Estado Cidade' de Bertrand Russel, na moderna sociologia.
O rádio, mais do que qualquer outro instrumento, está realizando essa comunhão espiritual dos povos.
Com um suave movimento de dedos, fazendo girar o mostrador ou alternando a faixa de ondas de seu receptor, o homem põe-se em contato com toda a humanidade.
E exalta-se com as alegrias e com as realizações de progresso e de beleza dos seus semelhantes.
E chora as lágrimas do mesmo pranto com todos os sofrimentos, com todas as angústias, com todas as torturas dos outros homens. Ele, então, pode dizer, como o poeta:

'Às cousas todas, como irmão, me irmano;
E sinto, e marco, no meu peito humano;
A harmonia vital, e a voz plutônica.

Meu peito é uma harpa que soluça e ulula;
O tempo agita o seu cordel e morde-o;
E eu guardo as vozes desse policórdio
Que o movimento universal regula.

Meu coração que os séculos abarca,
É o consciente sismógrafo que marca
A maia ligeira pulsação da vida'.
(Humberto de Campos, "Vozes das Cousas").

E o próprio gênio dos séculos parece murmurar-lhe, lá do fundo do rádio:

'Para iludir a dor universal.
Abri os horizontes infinitos;
Bebi o néctar das primeiras taças;
Plasmei os altos símbolos humanos.
Subtilizei o instinto e imaginei o amor;
Fui a força ideal das civilizações!
O Gênio transfigurador da História!
O espírito anônimo dos séculos!
E, harmonioso, profético, profundo,
Passei humanizando as cousas pelo mundo,
Para divinizar os homens sobre a terra'.

'Queres saber a minha história?
Não n'a tenho na memória ...
Não tem fim, não teve fundo:
É a lenda da Humanidade,
É a própria história do Mundo!...'
(Raul de Leoni, 'E o Poeta falou' e 'Do meu Evangelho').

Inauguram-se, hoje, os novos Estúdios da P.R.E.5, graças ao patriotismo e ao idealismo de Quintiliano Jardim, esse homem excepcional que nasceu com a vocação de servir e que consagrou toda a sua vida ao bem, à felicidade e ao progresso de sua gente e de sua terra.
Ele não mede obstáculos e nem teme sacrifícios para que a nossa civilização a cada dia mais se estenda, mais luminosa e mais bela.
Grande e ilustre brasileiro, poucas pessoas podem apresentar, como ele, uma tão copiosa e brilhante folha de serviços prestados à pátria. Por mais esta realização, ele merece todo o nosso reconhecimento e toda a nossa admiração.
Esse homem é tão patriota, tão amigo de sua terra e de seu povo, que nós temos a impressão de que ao lado de rádio receptor, ele faz girar as agulhas do mostrador, sintonizando só paras as estações da pátria.
Vai, numa sublime mística de patriotismo, ouvindo as vozes do Brasil: Rio de Janeiro ... São Paulo ... Belo Horizonte ... Porto Alegre ... Recife ... e tantos outros núcleos de brasileiros, dispersos pelo território enorme, falam ao seu coração emocionado.
Mas ele também quer falar.
Quer conversar com o Brasil.
E lança, nos ares vibráteis, no infinito diáfano, pela PRE-5, a voz da nossa Uberaba.
E saúda o Brasil, todos os filhos da terra, todos os heróis da pátria, todos os seus irmãos brasileiros, como que repetindo as palavras de Cassiano Ricardo:
— 'Vejo um Brasil todo cheio de dínamos e apitos de fábricas, que pula do mato.
E vejo um Brasil que a bandeira deixou amarrado com o sangue dos rios.
E vejo um Brasil onde há rios de todas as cores!
E onde há heróis pintalgados com a tinta de todas as raças.
E vejo lá em cima o tapuio
contando que viu a boiuna
sair da lagoa
pra prender as cunhãs
com o feitiço das suas
muirakitans.
E vejo o paroara que habita uma terra onde a terra não para.
E vejo o matuto cearense pequeno no porte e gigante na audácia.
E vejo o mané chique-chique varando a caatinga
na terra torrada no forno do sol
sob o sol que virou uma estrela e caiu sobre o chão na paisagem tranquila
onde há muito não pinga uma gota de orvalho
mas onde o mistério do arco-íris cintila
no suor do trabalho.
Meus heróis valentões, pala ao ombro e chilenas de prata arrastadas no chão
com o barulho das botas!
Meus gaúchos vigiando a fronteira
Montados nos pingos fogosos, na verde planície que estampa
em seu verde ondulado e macio
a bandeira da pátria estendia no pampa...
Meus heróis, caborés, topetudos de todos os naipes,
Tabaréus, canhamboras, capangas,
cangaceiros do sul ou jagunços do norte,
curimbabas riscando com a ponta da faca a camisa
de um 'cabra', ou pegando onça a unha,
crianças do mato
brincando com a morte!
Meus irmãos sem destino,
piraquaras, caiçaras,
faiscadores de diamantes, seringueiros,
laçadores de touros, boiadeiros,
nadadores, canoeiros agrestes,
atravessando em violentas braçadas
os 'chupadô' de água noturno e taciturna
e os 'frevô' de água espumenta e barulhenta.
Filhos rudes da terra
sem graça ou cheinha de graças,
e amassados com o barro ainda virgem
da criação e com a tinta de todas as raças.
E marcados por todas
as chuvas por todos os ventos
por todos os sóis
e por todos os climas
por todos os sofrimentos!
Meus irmãos!
Meus heróis!'.

Que esta saudação, que é também nossa, de toda a nossa Uberaba querida, se estenda, pelas ondas da P.R.E.5, sobre os vales, sobre os campos, sobre os planaltos, sobre as montanhas, sobre as cidades e sobre os povoados, sobre toda a pátria, de canto a canto, levando a todos os nossos irmãos brasileiros o nosso fraternal abraço, com todo o nosso afeto e todo o nosso carinho."

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